A fim de aumentar o tempo de prateleira de frutos cítricos, pesquisadores da startup paulista N&P iniciaram, há quatro anos, a criação de uma formulação com nanopartículas que pudesse torná-los mais resistentes. Ao longo do projeto, eles descobriram, contudo, outro segmento mais acolhedor para essa ideia: o de flores.
A partir de conversas com especialistas da FAPESP, que apoia o projeto da N&P por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), eles perceberam que era mais interessante pivotar a empresa — ou seja, usar a base que já existia, mas em outra direção (nesse caso, o mercado de flores). E deu certo: atualmente, a startup já tem um fertilizante disponível no mercado.
O processo começou quando, durante o PIPE Fase 1, uma cooperativa do segmento de flores se interessou pela solução e convidou a startup para testar o produto com eles. “Esse mercado nos deu condição de validar a solução diretamente no campo com o produtor. Com isso, conseguimos avançar e oferecer o produto para o mercado”, conta Maicon Segalla Petrônio, cofundador e diretor científico da N&P.
Depois de três anos de testes, os cientistas chegaram ao produto atual: um fertilizante que auxilia na nutrição das plantas. “O produto original do projeto é para o pós-colheita, mas ele ainda está em teste. No processo de desenvolvimento, entretanto, percebemos a necessidade de uma solução para auxiliar no manejo e no fortalecimento da flor”, diz Ana Carolina Nazaré, cofundadora e diretora-executiva da N&P. “Com esse produto, as rosas chegam com mais qualidade no pós-colheita.”
Os pesquisadores destacam que o suporte recebido da FAPESP foi essencial em todo o processo. “Nós, que viemos da academia, não somos treinados para ser empreendedores: sabemos resolver problemas no laboratório”, destaca Petrônio. “Tivemos de aprender que uma empresa tem diversos aspectos além da ciência. Eles diziam para a gente: ‘saia do prédio, vá para o mercado, entenda a necessidade do cliente'”, pontua Nazaré. “Isso foi muito enriquecedor, porque tínhamos a proposta de aumentar o tempo de prateleira de frutos, mas o mercado não buscava isso.”
A partir da solução criada pela startup, podem ser desenvolvidas formulações similares para outros segmentos. “Chegamos a um ponto em que não é mais um projeto de pesquisa e desenvolvimento: já colocamos um produto no mercado”, afirma Nazaré. “E esse primeiro produto abre espaço para outros: o próximo passo é oferecer uma opção para frutos e uma para frutas, legumes e verduras”, aponta Petrônio.
De forma geral, a equipe da N&P é bastante experiente na aplicação de técnicas farmacêuticas no tratamento de doenças na agricultura e usa métodos de desenvolvimento de fármacos para criar formulações para o setor. “Pensamos em como usar um ativo de forma mais inteligente para que a planta o absorva, por exemplo”, afirma Petrônio. “Fiz um trabalho em colaboração com a Embrapa para desenvolver nanocarreadores com RNA de interferência para pragas de tomate e morango. A partir disso, percebi que poderia utilizar a nanotecnologia para desenvolver formulações com baixo impacto ambiental”, sublinha.
Flores bonitas por mais tempo
Segundo Nazaré, a solução da empresa torna a logística do produtor de flores mais fácil. “Ele ganha tempo de armazenamento, porque, em geral, ele vende rosas para eventos e precisa que a flor se mantenha bela durante toda a festa”, destaca. “Como elas são muito perecíveis, com o nosso produto esse produtor tem a segurança de que não vai perder flores.”
Isso é possível porque a fórmula aumenta o tempo de prateleira das rosas: esse período varia conforme a sensibilidade da variedade e a época do ano. “Em ensaios iniciais, rosas que duravam de sete a dez dias passaram a resistir 25 dias em câmara fria”, detalha Nazaré. “Além disso, há integração com outros procedimentos, como o manejo de fungos, bactérias e vírus, por exemplo, para que a flor tenha mais qualidade. Por isso, visitamos o produtor para observar como ele faz o manejo e, depois, demonstrar o uso do nosso produto”, pondera Petrônio.
Outro benefício do produto criado pela startup é garantir mais viço às rosas. “As pétalas ficam mais vivas e bonitas”, explica Petrônio. “A gente interfere em uma cadeia que era pouco explorada, a de pequenas culturas (minor crops) — aquelas que ocupam uma área pequena de plantação. Esse segmento representa cerca de R$ 19,9 bilhões para o Brasil anualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura [Ibraflor].” Assim que o produto estiver validado, a startup vai pensar em cultivares com maior valor agregado.
Com flores mais duráveis, o pós-venda do produtor é mais fácil. “Diminuem as reclamações, as devoluções e a perda de cargas de flores — quando é necessário mandá-las novamente e em tempo hábil”, conta Nazaré. “Ele ganha na diminuição de reclamações e na fidelização do cliente, que vai recomprar pela alta qualidade do produto.”
Além das rosas, a empresa testa o fertilizante com produtores de Gypsophila (também conhecida como mosquitinho), tulipas e cravos, bem como para variedades em vaso, como violetas. Talvez seja necessário um ajuste de dose para essas plantas ornamentais”, pondera Nazaré. “Tivemos muito apoio da cooperativa para colocar o produto no mercado: eles fizeram testes, controle de qualidade e nos mostraram que o produto realmente funciona”, lembra Petrônio.
No momento, a startup negocia a distribuição do fertilizante com uma cooperativa de insumos de Holambra. “A parceria com terceiros nos permitiu fabricar e ganhar escala e agora a distribuição vai ser pelo mesmo processo. Somos um laboratório de pesquisa e desenvolvimento e precisamos desses parceiros para nos desenvolvermos como empresa”, diz Nazaré.
Assim que a solução para o pós-colheita estiver pronta e aprovada pelas agências reguladoras, a empresa vai poder oferecê-la para ser usada em plantas ornamentais como um todo. “Uma das maiores realizações é ver nosso produto ser utilizado por aqueles produtores com quem nos preocupamos no início do projeto.”
Frutos não foram esquecidos
A empresa não desistiu de criar uma solução para frutos. “Nosso projeto tem duas vertentes. As flores foram o caminho mais rápido e, a partir delas, conseguimos avançar e ter um produto. Paralelamente, progredimos bastante nos testes para frutos”, lembra Nazaré. “Temos, atualmente, três formulações antimicrobianas em teste. No futuro, possivelmente teremos um fungicida.”
A farmacêutica bioquímica revela que é mais difícil encontrar parceiros para os testes com frutos. “Não sei se pelo preço ou pelo escoamento, que tem de ser rápido, temos um pouco de dificuldade para testar a solução. Conseguimos testar no laboratório e em parceiros, mas no produtor há mais resistência.”
Apesar disso, um produtor de manga se interessou. “Ele ofereceu uma área de campo para fazermos testes. Testamos em pés de manga e comprovamos o que já tínhamos visto no laboratório, bem como definimos o momento e a forma de aplicação”, diz Nazaré. “Nós avançamos, mas ainda há um longo caminho a percorrer até o lançamento de um produto.”
Petrônio diz que a equipe fez muitos contatos e visitou produtores, mas ainda encontra resistência na aceitação de um teste. “Então, por enquanto, vamos avançar com as flores. Quando tivermos uma oportunidade de testar os produtos que estamos desenvolvendo com um produtor de frutos, acho que teremos resultados muito bons, visto que em manga já observamos que dá certo.”
Para encontrar mais oportunidades, os cientistas participam de mentorias do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e de grupos de discussão sobre temas relacionados ao agronegócio. “Participamos de várias iniciativas que facilitam encontrar esses produtores. Embora nem sempre eles aceitem testar, já temos um canal de comunicação. Em um futuro próximo, eles podem perceber que já há testes com flores e se interessar em testar com frutos”, avalia Nazaré.